Carta de Schuon a Benjamin Black Elk

Hollow Bear, da tribo Brulé-Sioux, em foto de Edward Curtis (1907).

[Carta de Schuon a Benjamin Black Elk em Wyola, Montana, em 24 de julho de 1959. Nela, Schuon fala dos elementos essenciais da religião dos Índios.]

Nossa visita a Keystone foi inesquecível, mesmo tendo sido curta. Neste momento, gostaria de lhe escrever algumas considerações sobre o problema índio, porque é mais fácil para mim escrever do que falar em inglês. O fato de que o “homem branco” não irá nunca entender nem a alma, nem a religião dos índios não é, está claro uma questão de raça, mas uma questão de civilização. Por raça, sou um branco, e eu os entendo tão bem como um japonês ou um persa de mentalidade tradicional os entenderia; mas eu não sou um “homem branco” no sentido da “civilização moderna”, dado que eu não aceito suas ideias fundamentais de “civilização” e de “progresso”.

O que é uma civilização, no verdadeiro sentido? É uma ordem espiritual e social revelada pelo Grande Espírito. Nesse sentido verdadeiro, os índios tinham — e ainda têm, em princípio — uma civilização real. Nenhuma civilização é única, porque a Verdade tem muitas formas, e porque os homens são diversos, também.

O que estava errado no caso dos índios? Não, é evidente, sua civilização como tal, mas um esquecimento parcial do significado profundo de sua religião. Os índios não têm que ser convertidos a uma religião estrangeira; eles têm que voltar ao ideal de seus antepassados. Dado que não existe progresso, segue-se que o homem antigo era mais perfeito do que o homem de hoje. Penso que os índios dos tempos históricos estavam preocupados demais em procurar sua glória pessoal e com demasiada frequência se esqueciam do Grande Espírito; isso pode ser, em parte, a chave de suas calamidades. O homem branco faz o mesmo de uma forma muito pior, e seu fim chegará, também.

Há no mundo várias civilizações verdadeiras. A civilização europeia também era uma civilização normal até seiscentos anos atrás; era a civilização cristã. Mas o mundo moderno já não é cristão; pode ter havido alguns verdadeiros cristãos entre os brancos americanos que vieram para o Oeste, mas a civilização que trouxeram consigo, e que eles frequentemente representavam, um tanto inconscientemente, não era absolutamente cristã; ela era anti-cristã. Como um escritor sioux, Ohiyesa (Charles Eastman) indicou, a civilização branca moderna não tem nada a ver com o Cristianismo.

Qual o significado desta civilização moderna? Fazer todas as pessoas se esquecerem de Deus e, assim, preparar o fim do mundo.

Os índios não estão sós em sua luta para manter sua tradição; em todo o mundo há povos ou minorias tradicionais defendendo a herança de seus ancestrais.

Toda religião antiga e revelada por Deus é verdadeira e benéfica. Não há que haver disputas sobre religiões. O ensinamento essencial de toda religião verdadeira é que este mundo de fenômenos evanescentes é irreal e que o mundo invisível do Grande Espírito é real. Há muitos graus no Invisível, mas quero apenas dizer que há mais realidade no Invisível acima do que neste mundo visível, e que Deus é a Realidade absoluta.

Com esta Verdade essencial de toda religião vem o Caminho essencial: é a oração; oração sem cessar no coração, se possível; a cada hora, e talvez muito mais frequentemente, a invocação de um Nome de Deus, do Grande Espírito.

Mas deve haver uma Tradição; nada pode ser realizado sem ela. Depois de ter lido o livro de seu venerável pai e alguns outros registros, parece-me que os elementos essenciais da religião dos índios são: (1) o Cachimbo Sagrado; (2) a Cabana de Suar; (3) a Invocação Solitária (Lamenting); (4) a Dança do Sol. A Dança dos Espíritos é também boa, se praticada com a intenção de união com Deus e sem uma falsa interpretação. Ela sempre existiu entre alguns índios, e Wovoka apenas a fez reviver.

O velho Little Warrior disse uma vez a Joseph Epes Brown que com muita frequência fazia alguma invocação interior e secreta, como a seguinte: “Wakan Tanka onshimala ye“,* ou apenas Wakan Tanka ou Tunkashila. Isto é muito importante. Os cristãos católicos e gregos também conhecem tais invocações, a serem praticadas o mais frequentemente possível. Os hindus e os budistas dizem — seguindo suas Escrituras — que a invocação quase ininterrupta de um Nome revelado da Divindade é o melhor meio de salvação nos últimos tempos, o período antes do fim do mundo; isso implica a prática das virtudes e a submissão à Vontade de Deus.

Bem, esta se tornou uma carta longa. Espero que ao menos alguns índios possam se tornar — ou permanecer — conscientes de sua tradição e de seu significado profundo. Esse é objetivo da obra de seu pai, e também do ensinamento de Little Warrior. Gostaria que os índios compreendessem que não estão sozinhos.**

* “Wakan Tanka, tem piedade de mim.” Wakan Tank significa literalmente “Grande Espírito” ou “Grande Mistério”.
** Esta carta foi assinada “F. Schuon (Wambali Ohítika)”. Brave Eagle (Wambali Ohítika) foi o nome dado a Schuon quando adotado na tribo Sioux.

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