O culto da inteligência afasta da verdade

A certeza metafísica não é Deus, embora seja algo dele. É por isso que os Súfis fazem acompanhar mesmo suas certezas desta fórmula: “E Deus é mais sábio” (wa ‘Llâhu a’lam).

O culto da inteligência e a paixão mental afastam da verdade: a inteligência se restringe quando o homem se fia somente dela; a paixão mental expulsa a intuição intelectual como o vento extingue a luz de uma vela.

A monomania da mente, com suas concomitâncias de pretensão inconsciente, de parcialidade, de insaciabilidade e de pressa é incompatível com a santidade; esta, com efeito, introduz no fluxo do pensamento um elemento de humildade e de caridade, portanto de calma e de generosidade — elemento que, longe de prejudicar o impulso espiritual ou a força por vezes violenta da verdade, liberta a mente das tensões passionais; ele garante assim a integridade do pensamento e a pureza da inspiração.

Segundo os Súfis, a paixão mental deve ser classificada entre as associações com Satã, como as outras formas da “idolatria” passional; ela não poderia ter diretamente Deus por objeto; se Deus lhe fosse o objeto direto, ela perderia suas características negativas específicas. Além disso, ela não tem em si mesma nenhum princípio de repouso, pois exclui toda consciência de seus próprios limites e carências.

Schuon, Perspectives spirituelles et faits humains, Les Cahiers du Sud, 1953, pp. 178-179.


Afirmação que penso que vale a pena reter: “O culto da inteligência e a paixão mental afastam da verdade”. Pessoas que dão a impressão de serem muito inteligentes podem sê-lo de forma unidimensional, sem penetrar nas profundezas dos conceitos. Aqueles que de fato têm a intuição intelectual não têm e, portanto, não manifestam essa paixão e esse culto. (N. do E.)

A ciência moderna feriu de morte a religião

A ciência moderna teve por efeito, entre outros, ferir mortalmente a religião, trazendo à luz, concretamente, problemas que só o esoterismo pode resolver, e que nada resolve de fato, dado que o esoterismo não é escutado — e ele nunca foi tão pouco escutado. Diante desses problemas novos, a religião está desarmada, e ela toma emprestados, de forma inábil e como que tateando, os argumentos do adversário, o que a obriga a falsificar insensivelmente sua própria perspectiva e a cada vez mais negar-se a si própria; sua doutrina, por certo, não é atingida, mas as falsas opiniões tomadas emprestadas a seus negadores a devoram sorrateiramente “desde dentro”, como o testemunha a exegese moderna, o achatamento demagógico da liturgia, o darwinismo telhardiano ou a “arte sagrada” de obediência surrealista e “abstrata”.

Schuon, Regards sur les mondes anciens, L’Harmattan, 2016, p. 46.

A oração é a porta estreita

O que é o mundo, senão um escoamento de formas, e o que é a vida, senão uma taça que, aparentemente, se esvazia entre duas noites? E o que é a oração, senão o único ponto estável — feito de paz e de luz — neste universo de sonho, e a porta estreita que leva a tudo o que o mundo e a vida buscaram em vão?

Na vida de um homem, estas quatro certezas são tudo: o momento presente, a morte, o encontro com Deus, a eternidade. A morte é uma saída, um mundo que se fecha; o encontro com Deus é como uma abertura para uma infinitude fulgurante e imutável; a eternidade é uma plenitude de estar na pura luz; e o momento presente é, em nossa duração, um lugar quase inapreensível no qual já somos eternos — uma gota de eternidade no vai-e-vem das formas e das melodias.

A oração dá ao instante terrestre todo seu peso de eternidade e seu valor divino; ela é a barca santa que conduz, através da vida e da morte, à outra margem, ao silêncio de luz — mas no fundo não é ela que atravessa o tempo repetindo-se, é o tempo que, por assim dizer, se detém diante de sua unicidade já celeste.

Schuon, Les stations de la sagesse, L’Harmattan, 2011, p. 144.


Qu’est-ce que le monde, sinon un écoulement de formes, et qu’est-ce que la vie, sinon une coupe qui, apparemment, se vide entre deux nuits ? Et qu’est-ce que l’oraison, sinon le seul point stable – fait de paix et de lumière – dans cet univers de rêve, et la porte étroite vers tout ce que le monde et la vie ont recherché en vain ?

Dans la vie d’un homme ces quatre certitudes sont tout : le moment présent, la mort, la rencontre avec Dieu, l’éternité. La mort est une sortie, un monde qui se ferme ; la rencontre avec Dieu est comme une ouverture vers une infinitude fulgurante et immuable ; l’éternité est une plénitude d’être dans la pure lumière ; et le moment présent est, dans notre durée, un lieu presque insaisissable où nous sommes déjà éternels – une goutte d’éternité dans le va-et-vient des formes et des mélodies.

L’oraison donne à l’instant terrestre tout son poids d’éternité et sa valeur divine ; elle est la sainte barque qui conduit, à travers la vie et la mort, vers l’autre rive, vers le silence de lumière – mais ce n’est pas elle, au fond, qui traverse le temps en se répétant, c’est le temps qui s’arrête pour ainsi dire devant son unicité déjà céleste.

Schuon, Les stations de la sagesse, L’Harmattan, 2011, p. 144.

Comentário sobre a nota anterior

“Nada é mais arbitrário do que rejeitar as provas clássicas de Deus, pois cada uma delas é válida em relação a uma certa necessidade de explicação. Essa necessidade de explicação cresce não em proporção ao conhecimento, mas em proporção à ignorância.”

Comentário: Schuon explica nesta passagem, que está na nota anterior, publicada ontem, que a coisa se dá de forma simplesmente oposta ao que pensa o homem racionalista. O fundamento do conhecimento é, na realidade, não racional, mas intuitivo. Quanto maior o conhecimento intuitivo, menor a necessidade de explicação racional.

Ele diz, no começo de A Unidade Transcendente das Religiões, no capítulo “Dimensões Conceituais”:

“A filosofia, no que ela tem de limitativo — e é isso, aliás, o que constitui seu caráter específico — se baseia na ignorância sistemática do que acabamos de enunciar”.

E diz também, no prefácio do mesmo livro: “A fim de sermos absolutamente claro, insistiremos em que o modo racional de conhecimento não supera de forma nenhuma o domínio das generalidades e não atinge por si só nenhuma verdade transcendente.”

Para quem quiser ler ou reler este claríssimo e profundíssimo prefácio, ele está disponível clicando aqui:

Prefácio de A Unidade Transcendente das Religiões, de Frithjof Schuon.

Para o sábio, cada flor prova o Infinito

Flores de cerejeira (Wikimedia Commons)

Uma coisa é o conhecimento metafísico, outra coisa é sua actualização na mente. Toda a ciência que o cérebro pode conter não é nada diante da Verdade, ainda que essa ciência seja uma riqueza incomensurável do ponto de vista humano. Já o conhecimento metafísico é como uma semente divina no coração; os pensamentos não são mais que luzes ínfimas que dele nos vêm. A marca deixada pela Luz divina nas trevas humanas, a passagem do Infinito ao finito, o contato entre o Absoluto e o contingente, tudo isso é o mistério da intelecção, da revelação, do avatâra.

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A alma pode conhecer tudo o que ela é

Azulejos de Marrakesh.

Por certo, Deus é inefável, nada pode descrevê-lo, ele não pode ser contido em palavras; mas, por outro lado, a verdade existe, o que quer dizer que há pontos de referência conceituais que explicam suficientemente a natureza de Deus; sem o que nossa inteligência não seria humana, o que equivale a dizer que ela não existiria ou, simplesmente, que ela seria inoperante em relação àquilo que constitui a razão de ser do homem. Deus é incognoscível e cognoscível ao mesmo tempo, paradoxo que implica — sob pena de absurdez — que as relações sejam diferentes, em primeiro lugar no plano do simples pensamento e depois em virtude de tudo o que separa o conhecimento mental do do coração; o primeiro sendo um “perceber” e o segundo, um “ser”. “A alma é tudo o que ela conhece”, dizia Aristóteles; seria preciso acrescentar que a alma pode conhecer tudo o que ela é; e que, em sua essência, ela não é senão O que é, e que é a única coisa a ser.

Schuon, Du Divin à l’humain, Le Courrier du Livre, 1981, p. 74

* * *

Certes, Dieu est ineffable, rien ne peut le décrire, ou ne peut l’enfermer dans des mots ; mais d’un autre côté, la vérité existe, c’est-à-dire qu’il est des points de repère conceptuels qui rendent suffisamment compte de la nature de Dieu ; sans quoi notre intelligence ne serait pas humaine, ce qui revient à dire qu’elle n’existerait pas, ou simplement qu’elle serait inopérante à l’égard de ce qui fait la raison d’être de l’homme. Dieu est inconnaissable et connaissable à la fois, paradoxe qui implique – sous peine d’absurdité – que les rapports sont différents, d’abord sur le plan de la simple pensée et ensuite en vertu de tout ce qui sépare la connaissance mentale de celle du cœur ; la première étant un « percevoir », et la seconde un « être ». « L’âme est tout ce qu’elle connaît », disait Aristote ; il faut ajouter que l’âme peut connaître tout ce qu’elle est ; et qu’elle n’est autre en son essence que Ce qui est, et Ce qui seul est.

Schuon, Du Divin à l’humain, Le Courrier du Livre, 1981, p. 74

A liturgia é um simbolismo que envolve os ritos

Monges tibetanos tocando suas alongadas trompas.

A liturgia é um simbolismo que envolve os ritos a fim de explicitar-lhes exteriormente o alcance e para realçar a descontinuidade real entre o sagrado e o profano, ou entre o divino e o humano, sobretudo o humano coletivo.

No Cristianismo, o elemento litúrgico é mais desenvolvido* do que no Judaísmo ou no Islã; a razão disso está em que, sendo de origem e de estrutura esotérica, o Cristianismo deve sublinhar tanto mais a separação entre o sagrado e o profano**; esta necessidade resulta não do esoterismo em si mesmo, mas de sua aplicação religiosa, portanto social, ou seja, de sua exoterização.

O elemento litúrgico se encontra, num ou noutro grau, em todo sistema ritual — particularmente, também, no Budismo — e sempre pelas mesmas razões fundamentais.

Notas
* Aqui não pensamos nas sobrecargas mais ou menos tardias das liturgias cristãs, mas em suas formas essenciais, que remontam aos Padres da Igreja.
** Distinção que existe em toda parte onde há coletividades tradicionais.

Schuon, Perspectives spirituelles et faits humains, Les Cahiers du Sud, 1953, pp. 83-84.

Ícone da Natividade, século VI, Monastério de Santa Catarina no Sinai.

O Cristianismo é que “Deus se fez o que nós somos, para nos fazer o que ele é” (Santo Irineu); é que o Céu se tornou terra, a fim de que a terra se torne Céu.

Cristo retraça no mundo exterior e histórico o que acontece, desde o começo do tempo, no mundo interior da alma. No homem, o Espírito puro se faz ego, a fim de que o ego se torne puro Espírito; o Espírito ou o Intelecto (Intellectus, não mens ou ratio) se faz ego encarnando-se na mente sob a forma de intelecção, de verdade, e o ego torna-se Espírito ou Intelecto unindo-se a ele.

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O objetivo da religião é salvar muitas almas

O santo Padre Pio (1887-1968).

Podemos nos espantar e mesmo nos escandalizar com a frequência, em ambiente religioso, de opiniões e atitudes mais ou menos ininteligentes, que se diga sem eufemismo; a causa indireta do fenômeno é que a religião, cujo objetivo é salvar o maior número possível, e não satisfazer as necessidades de explicação de uma elite intelectual, não tem motivo para se dirigir diretamente à inteligência propriamente dita. Em conformidade com sua finalidade e com a capacidade da maioria, a mensagem religiosa dirige-se globalmente à intuição, ao sentimento e à imaginação, depois à vontade, e à razão na medida em que a condição humana o exige; ela informa os homens sobre a realidade de Deus, a imortalidade da alma e as consequências que daí decorrem para o homem, e ela oferece a este os meios para se salvar. Ela não é, não quer ser e não pode ser e oferecer outra coisa, ao menos explicitamente; pois, implicitamente, ela oferece tudo.

Schuon, Résumé de métaphysique intégrale, Le Courrier du Livre, 1985, p. 81.


On peut s’étonner et même se scandaliser de la fréquence, en climat religieux, d’opinions et d’attitudes plus ou moins inintelligentes, soit dit sans euphémisme ; la cause indirecte du phénomène est que la religion, dont le but est de sauver le plus grand nombre possible et non de satisfaire le besoin de causalité d’une élite intellectuelle, n’a pas de motif de s’adresser directement à l’intelligence proprement dite. Conformément à sa finalité et à la capacité de la majorité, le message religieux s’adresse globalement à l’intuition, au sentiment et à l’imagination, puis à la volonté, et à la raison dans la mesure où la condition humaine l’exige ; il informe les hommes de la réalité de Dieu, de l’immortalité de l’âme et des conséquences qui en découlent pour l’homme, et il offre à celui-ci les moyens de se sauver. Il n’est pas, ne veut pas, et ne peut être et offrir autre chose, explicitement tout au moins ; car implicitement il offre tout.

Schuon, Résumé de métaphysique intégrale, Le Courrier du Livre, 1985, p. 81.

A vida sobrenatural é centrípeta, mas dilata

Antiga imagem, possivelmente da Áustria ou da Baviera.

Há que distinguir entre a vida natural, que é centrífuga, e a vida sobrenatural, que é centrípeta; a primeira afasta a alma de Deus e a mergulha no mundo, enquanto a segunda afasta a alma do mundo e a reconduz a Deus. A vida natural ou centrífuga comporta um efeito de dispersão e outro de compressão: o profano ou o mundano por um lado se perde na multiplicidade das coisas e por outro lado se endurece em seus apegos passionais. A vida sobrenatural, ao contrário, comporta um efeito de dilatação e outro de concentração: o homem espiritual por um lado se dilata em direção do que é interior e por outro lado se une ao Único, uma coisa sendo função da outra.

Schuon, La conscience de l’Absolu, Hozhoni, 2016, p. 15.


Il faut distinguer entre la vie naturelle, qui est centrifuge, et la vie surnaturelle, qui est centripète ; la première éloigne l’âme de Dieu et l’enfonce dans le monde, tandis que la seconde éloigne l’âme du monde et la ramène à Dieu. La vie naturelle ou centrifuge comporte un effet de dispersion et un autre de compression : le profane ou le mondain, d’une part se perd dans la multitude des choses et d’autre part se durcit dans ses attachements passionnels. La vie surnaturelle au contraire comporte un effet de dilatation et un autre de concentration : l’homme spirituel, d’une part se dilate vers l’Intérieur et d’autre part s’unit à l’Unique, l’un étant fonction de l’autre.

Schuon, La conscience de l’Absolu, Hozhoni, 2016, p. 15.

    Há no homem duas subjetividades

    Para o espírito, o ego empírito é só um invólucro. Pintura de Schuon.

    Há no homem dois sujeitos — ou duas subjetividades — sem medida comum e de tendências opostas, ainda que haja também coincidência sob certo aspecto. Por um lado, há a anima ou o ego empírico, que é tecido de contingências tanto subjetivas, como as lembranças e os desejos, quanto objetivas; por outro lado, há o spiritus ou a inteligência pura, cuja subjetividade está enraizada no Absoluto e que, por este fato, não vê no ego empírico senão um invólucro, portanto algo de exterior e de alheio ao verdadeiro “eu mesmo”, ou antes ao “Si mesmo” ao mesmo tempo transcendente e imanente.

    Schuon, Forme et substance dans les religions, éd. L’Harmattan, 2012, p. 257.

    Quando a alma reconheceu que seu verdadeiro ser está além desse núcleo fenomênico que é o ego empírito e ela se mantém de bom grado no Centro — e esta é a virtude maior, a pobreza ou o apagamento ou a humildade —, o ego comum aparece-lhe como exterior a ela própria, e o mundo, ao contrário, aparece-lhe como seu próprio prolongamento; visto que ela se sente em toda parte nas Mãos de Deus.

    Schuon, La conscience de l’Absolu, éd. Hozhoni, 2016, p. 92.


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    O homem nobre vive o símbolo sempre como algo novo

    O senhor tem razão, a impressão que se tem aqui é de um conto de Natal: em toda parte a neve pura e celeste, e um silêncio solene; isso me transporta de volta a minha infância, quando o inverno era para mim uma espécie de experiência sobrenatural. Essa solidão da neve que agora nos rodeia é de novo uma mensagem do mistério da “paz” e, portanto, também de uma serena sublimidade (serenitas), de libertação espiritual; não deixa de ter sentido que em alemão as palavras “paz” [Friede] e “liberdade” [Freiheit] soem de forma semelhante, e também “alegria” [Freude]; o que me leva a pensar na deusa Freia — não é à toa que esta palavra significa “mulher” [Frau], a Suprema Realidade feminino-divina da felicidade, do amor, da beleza e da fertilidade; o que corresponde à Lakshmî hindu. Em termos islâmicos, poder-se-ia dizer que o mistério da expansão, da expiração, do peito, portanto da inshirâh, surge como resultado do salâm; ou do islâm, quando se entende esta palavra em seu sentido primordial. Várias vezes já me referi a isto.

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    É preciso evitar as falsas certezas

    Estátua do Buda em Gal Viharaya, Polonnawura, Sri Lanka. (Bernard Gagon, Wikimedia Commons.)

    É preciso tomar cuidado com as falsas certezas a respeito dos homens, dos fatos, das situações, pois há aí um clássico perigo, bem conhecido na teologia mística. O fenômeno subjetivo da certeza pode ser uma ilusão — tanto mais perniciosa quanto for grande o que está em jogo —, e, quanto às provas que são invocadas, elas podem ser questão de interpretação ou, como se diria em psicologia, de “projeção”; elas podem ser desmentidas por outras provas, por sua vez reais, mas que são ignoradas ou que se quer ignorar.

    Carta de Frithjof Schuon, 30 de janeiro de 1986. Traduzida do original francês.


    Il faut se garder des fausses certitudes concernant des hommes, des faits, des situations, car il y a là un écueil classique, bien connu en théologie mystique. Le phénomène subjective de la certitude peut être une illusion, — d’autant plus pernicieuse que l’enjeu est grand, — et quant aux preuves que l’on invoque, elles peuvent être affaire d’interprétation, ou de “projection” comme on dirait en psychologie; elles peuvent être démenties par d’autres preuves, réelles celles-ci, mais que l’on ignore ou que l’on veut ignorer.

    Lettre de Frithjof Schuon – 30 janvier 1986.

    Há belezas e limitações em todas as religiões

    Há pessoas que, por causa do simbolismo e da beleza de uma religião, absorvem sua estreiteza dogmática, sua excentricidade teológica e a unilateralidade de sua alma; e, ao contrário, há pessoas que, por causa desses traços, recusam o simbolismo e a beleza de uma religião. E, contudo, há belezas e limitações em todas as religiões, mesmo naquelas que, à sua maneira, prolongam a religião primordial; há nelas também todo o tipo de adaptações e renovações. A Religio perennis é o corpo, a Religio formalis é a vestimenta; ambas têm seu sentido, e as duas podem se combinar de diferentes maneiras.

    Schuon, carta de 19 de outubro de 1980; traduzida do alemão.

    “Minha mensagem está em meus livros”

    Schuon em sua casa em Bloomington, IN (EUA).

    No que diz respeito à irradiação de minha obra, quero pôr a ênfase em meus livros, não na Tarîqah; mais de uma vez eu tive a intenção de fechá-la — isto é, de não receber mais ninguém — porque eu duvidava da possibilidade de mantê-la intacta, e sobretudo de que ela crescesse, dada a inferioridade caracterial do homem médio e a ausência de uma ambiência que seja educativa; e cada vez mais vejo que a experiência corrobora esse sentimento. Seja como for, gostaria de repetir aqui — por causa de sua importância — o que escrevi no último outono a […] [nome da pessoa]; e é o seguinte: minha mensagem está em meus livros; ela não está na Tarîqah, ao menos não a priori; entendo com isso que meus livros constituem uma “prédica”, eles se dirigem ao público, enquanto a Tarîqah não é objeto de nenhuma propaganda.

    Eu poderia dizer que a Tarîqah só é uma mensagem em função de meus livros e ao prolongar minha mensagem escrita; o que significa que os aspirantes à Tarîqah devem ser leitores de meus livros que os compreendam e estejam convencidos. Pode haver exceções — certamente as há, e cabe a mim julgá-las —, mas, então, trata-se de pessoas que, de todas as maneiras, aceitam tudo o que eu represente e manifesto […]. Se a Tarîqah se difunde no mundo, está bem, mas ela não deve se difundir a todo custo. Tanto mais quanto eu não estou de forma nenhuma interessado na expansão por si mesma.

    Carta de 6 de janeiro de 1988, publicada em Letters of Frithjof Schuon – Reflections on the Perennial Philosophy, World Wisdom, 2022, p. 219. A tradução para esta nota foi feita diretamente do original francês.