Reproduzimos aqui nota que publicamos anteriormente no blogue Vera Philosophia.
Extrato do ensaio “Da Inteligência”, em Racines de la Condition Humaine, La Table Ronde, Paris, 1990, pp. 20 e 21.
À questão de saber se vale mais ter inteligência ou um bom caráter, responderemos: um bom caráter. Por quê? Porque, quando se faz essa pergunta, não se pensa nunca na inteligência integral, que implica essencialmente o conhecimento de si; inversamente, um bom caráter implica sempre uma porção de inteligência, com a condição, evidentemente, de que a virtude seja real, não comprometida por um orgulho subjacente, como no caso do “zelo da amargura”.
O bom caráter se abre para a verdade (1), exatamente como a inteligência fiel à sua substância desemboca na virtude; poderíamos dizer também que a perfeição moral coincide com a fé, que ela não poderia ser um perfeccionismo social desprovido de conteúdo espiritual.
Se a faculdade cognitiva consiste em discernir entre o essencial e o secundário e, por via de consequência, ela implica a capacidade de apreender as situações e adaptar-se a elas, será concretamente inteligente o homem que apreende o sentido da vida e, por isso mesmo, o da morte; o que quer dizer que a consciência da morte deve determinar o caráter da vida, como, a priori, a consciência dos valores eternos vem antes da dos valores temporais.
Se nos perguntarem: o que é que prova a realidade dos valores eternos? — mas isto é uma digressão —, responderemos: entre outros o próprio fenômeno da inteligência, o qual seria de fato inexplicável — porque desprovido de razão suficiente — sem seus conteúdos mais fundamentais ou mais elevados. É o mistério do fenômeno da subjetividade, tão estranhamente incompreendido dos modernos, ao passo que ele é, precisamente, um sinal irrecusável de realidade imaterial e de transcendência.
Nota (1): “Errar é humano”, diz São Jerônimo, e Santo Agostinho acrescenta: “Mas é diabólico perseverar, por paixão, no erro”. A paixão coincide, aqui, com o orgulho, o qual anula na prática todas as virtudes; do mesmo modo, o erro corrompe a inteligência, em profundidade e com as reservas que se impõem no plano das coisas práticas ou profanas.