A Contradição do Relativismo

Trecho do primeiro ensaio de Logique et Transcendance (Éditions Traditionnelles, Paris, 1982), de Frithjof Schuon.

* * *

A Contradição do Relativismo

O relativismo reduz todo elemento de absolutez à relatividade, fazendo uma exceção totalmente ilógica com esta própria redução. Ele consiste, em suma, em declarar que é verdadeiro que não existe verdade, ou que é absolutamente verdadeiro que só existe o relativamente verdadeiro; o mesmo valeria dizer que não existe linguagem, ou escrever que não existe escrita. Ou seja: toda ideia se vê reduzida a uma relatividade quer psicológica, quer histórica, quer social; a asserção se anula pelo fato de que ela se apresenta a si mesma como uma relatividade psicológica, histórica ou social, e assim por diante. A asserção se anula, se é verdadeira, e, em se anulando logicamente, prova que é falsa; sua absurdidade inicial é a pretensão implícita de só ela escapar, como por encanto, de uma relatividade declarada como única possibilidade.

O axioma do relativismo é que “não se pode nunca sair da subjetividade humana”; neste caso, esta asserção não tem nenhum valor de objetividade, ela cai sob seu próprio veredito. É por demais evidente que o homem pode perfeitamente sair da subjetividade, sem o que ele não seria homem; e a prova disso é que podemos conceber essa subjetividade e sua superação. Para o homem totalmente encerrado em sua subjetividade, esta não seria nem mesmo concebível; o animal vive sua subjetividade, mas não a concebe, pois não tem, como o homem, o dom da objetividade.

O relativismo social não perguntará se é verdade que dois e dois são quatro, ele perguntará de que meio vem aquele que faz tal afirmação; sempre sem se dar conta de que, se o meio determina o pensamento e tem primazia em relação à verdade, ele o faz em todos os casos, ou seja, todo meio determina o pensamento e todo pensamento é determinado por um meio. Se nos objetassem que um certo meio particular favorece a percepção da verdade, poderíamos facilmente devolver o argumento referindo-nos a uma outra hierarquia de valores, o que prova que o dito argumento não é senão uma petição de princípio ou, no melhor dos casos, um cálculo de probabilidade sem nenhum alcance concreto. E o mesmo vale para o relativismo histórico: a partir do momento em que todo pensamento humano ocorre necessariamente num momento dado – não quanto ao conteúdo, mas quanto ao processo mental –, todo pensamento só teria um valor relativo, ele seria “obsoleto” e “superado” desde o seu nascimento; então, já não valeria a pena pensar, pois o homem não pode escapar à duração.

De resto, o objeto ou a preocupação do relativismo não é sempre a verdade como tal, ele pode ser não importa qual expressão ou modalidade desta, particularmente os valores morais ou estéticos; pode-se reduzir toda retidão a um fator contingente e mais ou menos insignificante e abrir assim a porta a todas as assimilações abusivas, a todas as degradações e a todas as imposturas. O relativismo aplicado aos fatos tradicionais é acima de tudo o erro de confundir elementos estáticos com elementos dinâmicos: fala-se de “épocas” ou de “estilos” e esquece-se que o de que se trata é a manifestação de dados objetivos e estáveis, portanto definitivos à sua maneira. No crescimento de uma árvore, determinada fase corresponde evidentemente a determinado momento da duração; o que não impede que o tronco seja o tronco, que os ramos sejam os ramos e os frutos, os frutos; o tronco de uma macieira não é senão um momento em relação à maçã, esta não é senão um outro momento em relação ao tronco e ao ramo. A época dita “gótica” tinha, por sua própria natureza, o direito de sobreviver, no setor que é o seu, até o final dos tempos, pois os dados étnicos que a determinaram não mudaram e não podem mudar, a menos que a Cristandade latino-germânica se torne mongol; a civilização gótica, ou romano-gótica, não foi superada pela “evolução”, ela não deixou de ser transmutando-se, ela foi assassinada por uma força extra-cristã, o neopaganismo do Renascimento. Seja como for, um dos traços marcantes do século XX é a confusão tornada habitual entre a evolução e a degeneração: não há nenhuma degeneração, nenhuma diminuição, nenhuma falsificação que não seja desculpada com a ajuda do argumento relativista de “evolução”, reforçando-o com as assimilações mais abusivas e mais errôneas. É assim que o relativismo, habilidosamente infundido na opinião pública, por um lado abre a porta a todas as corrupções e por outro lado cuida para que nenhuma reação sã possa frear este deslizamento para baixo.

Enquanto os erros que tendem a negar a inteligência objetiva e intrínseca se destroem a si mesmos postulando uma tese que é desmentida pela própria existência do postulado, o fato de que há erros não prova uma falibilidade inevitável da inteligência; pois o erro não deriva da inteligência como tal, ele é, ao contrário, um fenômeno privativo que faz a atividade da inteligência se desviar, em função de um elemento de paixão ou de cegueira, sem poder abalar a própria natureza da faculdade cognitiva.

Um exemplo patente da contradição clássica de que se trata aqui, e que caracteriza em grande parte todo o pensamento moderno, nos é fornecido pelo existencialismo, o qual postula uma definição do mundo que é impossível se ele próprio é possível, pois das duas, uma: ou o conhecimento objetivo, portanto absoluto em seu gênero, é possível, e então ele prova que o existencialismo é falso; ou o existencialismo é verdadeiro, mas então sua promulgação é impossível, pois não há no universo existencialista nenhum lugar para uma intelecção objetiva e estável.

* * *

O ensaio continua por diversas páginas. Um texto admirável do grande sábio de nossos tempos, infelizmente inédito em português.

(trad. de Alberto Queiroz)

Uma ideia sobre “A Contradição do Relativismo

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s