Os dois grandes obstáculos da vida terrestre são a exterioridade e a matéria; ou, mais precisamente, a exterioridade desproporcional e a matéria corruptível. A exterioridade é a falta de equilíbrio entre nossa tendência para as coisas exteriores e nossa tendência para o interior, o “reino de Deus”; e a matéria é a substância inferior — inferior com relação a nossa natureza espiritual — na qual estamos aprisionados na terra.
O que se impõe é, não rejeitar o exterior só admitindo o interior, mas realizar um equilíbrio com o interior — uma interioridade espiritual, precisamente — que tire da exterioridade sua tirania ao mesmo tempo dispersante e compressiva e que, ao contrário, nos permita “ver Deus em toda parte”; ou seja, perceber nas coisas os símbolos e os arquétipos, em suma, integrar o exterior no interior e fazer dele um suporte para interioridade. A beleza, percebida por uma alma espiritualmente interiorizada, é interiorizante; não confundir uma interioridade orgulhosa ou narcisista com a interioridade santa.
E no que diz respeito à matéria: o que se impõe é, não negá-la — se isso fosse possível —, mas subtrair-se a sua tirania sedutora; distinguir nela o que é arquetípico e puro do que é acidental e impuro; tratá-la com nobreza e sobriedade. “Tudo é puro para aquele que é puro.”
* * *
A razão de ser do homem é a consciência que o Si divino tem de Si mesmo, e que deve se reverberar na contingência em virtude da Infinitude do Princípio divino.
Nossa relação com o mundo é algo de condicional, de relativo; nossa relação com o Céu, ao contrário, é algo de incondicional e de imprescritível. A única coisa que conta absolutamente é nossa consciência do Absoluto; todo o resto está nas mãos de Deus.
(Frithjof Schuon, A Transfiguração do Homem, Editora Sapientia, 2009, pp. 67 e 68.)
Foto: Sri Ma Anandamayi.