Uma variante bem “atual” do sentimentalismo ideológico que temos em vista, e muito difundida entre os próprios crentes, é a obsessão demagógica pelo “social”. Em outro tempo, quando todo o mundo era religioso, a pobreza preservava os pobres da hipocrisia, ou de certa hipocrisia; em nossos dias, a pobreza engendra com demasiada frequência a descrença e a inveja — nos países industrializados ou atingidos pela mentalidade industrialista —, de modo que ricos e pobres estão quites; à hipocrisia dos primeiros responde a impiedade dos últimos.
É profundamente injusto preferir este novo vício dos pobres ao vício habitual — e tradicionalmente estigmatizado — dos ricos, desculpar a impiedade dos pobres por sua pobreza sem desculpar a hipocrisia dos ricos por sua riqueza; se os pobres são vítimas de seu estado, os ricos são da mesma forma do seu e, se a pobreza dá direito à impiedade, a riqueza dá direito ao simulacro de piedade. Se é preciso, espiritualmente, ter compaixão pelos pobres, é preciso, da mesma forma, ter compaixão pelos ricos e desculpá-los, tanto mais quanto a diferença só reside em situações de todo exteriores e facilmente reversíveis, e não na natureza fundamental dos homens; não se pode preferir os pobres a não ser quando são melhores que os ricos por sua sinceridade espiritual, sua paciência, seu heroísmo secreto — tais pobres existem sempre, assim como ricos desapegados de sua riqueza — e não quando são piores por sua descrença, sua inveja ou seu ódio.
Os cristãos perseguidos sob Nero sofriam mais do que sofrem hoje os trabalhadores mal pagos, sem que nenhuma teologia lhes concedesse o direito de não mais crer em Deus e de desprezar sua Lei; a tradição nunca admitiu essa espécie de chantagem econômica para com Deus.
Schuon, A Transfiguração do Homem, livro disponível neste website, pp. 28-29.