O que nós vemos tem um sentido. Há uma proporção envolvida. E a medida disso é o homem. Se não houvesse o homem, não haveria este mundo.
Vejamos, a este respeito, dois extratos de Schuon:
“Quando Deus cria o homem à sua imagem, ele cria uma medida; a percepção humana do mundo corresponde à intenção criadora de Deus. O homem é por definição um centro, ou ‘o centro’ num dado universo; ele o é, não por acidente, mas em função da própria natureza do Ser, e é por isso que o que é grande ou pequeno para o homem é grande ou pequeno na intenção divina; o homem percebe as coisas como elas se apresentam no Intelecto divino.” [Frithjof Schuon, “O Véu de Ísis”, Raízes da Condição Humana.]
“Não surpreende que a ciência que deriva da queda — ou de uma das quedas — e da redescoberta ilusória do mundo sensível seja a ciência somente do sensível, ou do virtualmente sensível [1], e que negue tudo o que ultrapassa esse âmbito, que negue, consequentemente, Deus, o outro mundo e a alma [2], incluindo a fortiori o puro Intelecto, o qual, precisamente, é apto a conhecer tudo o que ela rejeita; pelos mesmos motivos, ela nega também a Revelação, que, por sua vez, refaz a ponte que se rompeu com a queda.
“Segundo as observações da ciência experimental, o céu azul que se estende acima de nós é não um mundo de beatitude, mas uma ilusão óptica causada pela refração da luz na atmosfera, e desta perspectiva tem-se evidentemente razão de negar que a morada dos beatos se encontre lá em cima; mas se estaria totalmente errado em negar que a associação de ideias entre o céu visível e o Paraíso celeste resulte da natureza das coisas e não da ignorância e da ingenuidade mescladas com imaginação e e sentimentalidade, pois o céu azul é um símbolo direto e portanto adequado dos graus superiores — e suprassensoriais — da Existência; ele é também uma reverberação longínqua de tais graus, e o é necessariamente dado que é realmente um símbolo, consagrado pelas Escrituras sagradas e pela intuição unânime dos povos.[3]
“Esse caráter de símbolo é tão concreto e eficaz que as manifestações celestes, quando vêm ao nosso mundo sensível, “descem” na terra e “voltam a subir” ao Céu; o simbolismo sensível depende da realidade suprassensível que ele reflete. Os anos-luz e a relatividade da relação espaço-tempo não têm absolutamente nada a ver com o tema — totalmente ‘exato’ e ‘positivo’ — do simbolismo das aparências e de sua ligação ao mesmo tempo analógica e ontológica com as ordens celestes ou angélicas; que o símbolo em si mesmo possa ser unicamente uma ilusão de óptica não diminui de fato sua exatidão nem sua eficácia, pois toda aparência, incluindo a do espaço e das galáxias, não é, rigorosamente falando, senão uma ilusão criada pela relatividade.” [Frithjof Schuon, “Queda e Decadência”, O Homem no Universo.]
Notas
[1] Tal nuance se impõe porque se objetará que a ciência opera com elementos que escapam aos nossos sentidos.
[2] Dizemos não que todos os cientistas neguem tal realidade, mas que a ciência a nega, o que é totalmente diferente.
[3] Dizer “símbolo” equivale a dizer “participação” ou “aspecto”, sejam quais forem as diferenças de nível.
A cegueira da ciência moderna aprisiona o pensamento humano porque rompe com uma vastíssima possibilidade de conhecimento, quando nega toda e qualquer manifestação que não esteja estritamente ligada às razões matemáticas do universo material. O exemplo de Frithjof Schuon (o do céu azul) tem a clareza de uma sabedoria que suplanta a de nossa ciência e que por sua universalidade pode expressar-se por tudo e em tudo, admitindo uma simplicidade que em poucas palavras põe abaixo os postulados, pretensamente lógicos, do pensamento moderno.