Inteligência, vontade e sentimento

Beatriz indicando o caminho a Dante

(…) as prerrogativas do estado humano consistem essencialmente numa inteligência, numa vontade e num sentimento capazes de objetividade e de transcendência. A objetividade é a dimensão “horizontal”: é a capacidade de conhecer, de querer e de amar as coisas como elas são, portanto sem deformação subjetivista; a transcendência, por sua vez, é a dimensão “vertical”: é a capacidade de conhecer, de querer e de amar Deus e, ipso facto, todos os valores que superam nossa experiência terrestre e que se referem mais ou menos diretamente à Ordem divina.

Mas estamos longe de essas capacidades humanas se encontrarem actualizadas (1) em todo ser humano. Em primeiro lugar, demasiados homens não têm nenhum conhecimento metafísico; depois, demasiados homens, se o têm, não sabem fazê-lo entrar em seu querer e em seu amor, e essa ruptura entre o pensamento e a alma individual é mesmo uma coisa bem mais grave que a falta de conhecimento. De fato, o conhecimento metafísico, se se mantém puramente mental, não é praticamente nada; o conhecimento só é um valor com a condição de se prolongar no amar e no querer. Assim, o objetivo da Via [Espiritual] é, em primeiro lugar, reparar essa ruptura hereditária e, depois – sobre essa base –, operar a ascensão em direção ao Sumo Bem, o qual, segundo o mistério da imanência, é nosso próprio Ser.

O homem é feito de objetividade e de transcendência; tendo-o esquecido – existencialmente ainda mais que mentalmente –, sua vocação quase ontológica é a de “voltar a ser o que ele é”, ou seja, reencontrar sua potencialidade celeste. Fora da objetividade e da transcendência não há homem, só há animal humano; para encontrar o homem, é preciso visar a Deus.

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Nota (1): efetivas, que passaram da potência ao ato.

Ilustração: Beatriz indica a Via a Dante. Ilustração de Gustavo Doré. Dante foi um dos grandes em que o conhecimento metafísico estava integrado a um querer e a um amor espirituais.

Texto extraído e traduzido de: Frithjof Schuon, Le Jeu des Masques, L’Âge d’Homme, Lausanne, 1992, pp. 27-28. #frithjofschuon #sophiaperennis