Segundo um provérbio árabe que reflete a atitude do muçulmano diante da vida, “a lentidão é de Deus, e a pressa é de Satã”, e isto nos leva à seguinte reflexão: como as máquinas devoram o tempo, o homem moderno está sempre correndo, e como essa falta perpétua de tempo cria nele os reflexos de pressa e de superficialidade, o homem moderno toma esses reflexos — que compensam uma série de desequilíbrios — por superioridades e despreza, no fundo, o homem antigo de hábitos “idílicos”, e sobretudo o velho oriental de andar lento e com um longo turbante a enrolar.
O homem de hoje já não consegue imaginar, por falta de experiência, qual era o conteúdo qualitativo da “lentidão” tradicional, ou como “sonhavam” as pessoas de outro tempo; ele se contenta com a caricatura, o que é muito mais simples e é, aliás, exigido por um instinto de conservação ilusório. Se as preocupações sociais — evidentemente de base material —determinam em tão grande medida o espírito de nossa época, não é somente por causa das consequências sociais do maquinismo e das condições inumanas que ele gera, mas também por causa da ausência de uma atmosfera contemplativa que, no entanto, é necessária para a felicidade dos homens, seja qual for o seu “padrão de vida”, para usar uma expressão tão corrente quando bárbara. [1]
[1] Chamam “fuga das responsabilidades” ou Weltflucht — em inglês, escapism — toda atitude contemplativa, portanto toda recusa a situar a verdade total e o sentido da vida na agitação exterior. Enfeitam com o nome de “responsabilidades” o apego ao mundo hipocritamente utilitário e apressam-se a ignorar que a fuga, supondo que só se tratasse disso, nem sempre é uma atitude falsa.
Schuon, Comprendre l’Islam, Édition du Seuil, 1976, pp. 36-37.
Em português: Para Comprender o Islã, Nova Era, 2006.