
Só o homem possui o dom da palavra, pois só ele, entre todas as criaturas terrestres, é “feito à imagem de Deus” de uma maneira direta e total; e como é em virtude dessa semelhança — contanto que ela seja levada a dar frutos pelos meios apropriados — que o homem é salvo, portanto em virtude da inteligência objetiva [*], da vontade livre e da palavra verídica, articulada ou não, compreender-se-á sem dificuldade o papel capital que exercem na vida do muçulmano estas palavras por excelência que são os versículos do Alcorão; eles são não somente sentenças que transmitem pensamentos, mas de certa forma seres, forças e talismãs; a alma do muslîm está como que tecida de fórmulas sagradas, é nelas que ele trabalha e que ele repousa, que ele vive e que ele morre.
[*] Objetividade que permitiu a Adão “nomear” todas as coisas e todas as criaturas, ou, em outros termos, que permite ao homem conhecer os objetos, as plantas e os animais, enquanto que eles não o conhecem; mas o conteúdo por excelência dessa inteligência é o Absoluto; quem pode mais, pode menos, e é porque o homem pode conhecer Deus que ele conhece o mundo. A inteligência humana é à sua maneira uma “prova de Deus”.
Schuon, Comprendre l’Islam, Éditions du Seuil, 1976, p. 65