O reconhecimento das religiões estrangeiras depende de diversas contingências psicológicas ou mesmo simplesmente geográficas, e, sobretudo, não tem em si nenhum aspecto de necessidade espiritual (1): nenhuma revelação o sugere de maneira direta, para dizer o mínimo; sábios como Plotino e Porfírio, apesar de seu esoterismo pitagórico e seu conhecimento metafísico, não compreenderam o Cristianismo. Numa ordem de ideias análoga, o exclusivismo recíproco das escolas hindus — Shankara não é de forma nenhuma exceção — prova que, nas condições normais (2), a compreensão de formas estrangeiras não é uma manifestação necessária da superação das formas; diremos mesmo que, se não ocorre um esforço de compreensão, isso tem relação com a “fé” (não com a “crença”, mas com o “fervor”, shraddhâ, em sânscrito), que exclui toda fraqueza e toda hesitação, e sem a qual não há via possível.
Por outro lado, o reconhecimento principial de uma verdade supraformal que deve se encontrar em formas estrangeiras resulta necessariamente da gnose.
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1) Nada obriga o hindu ortodoxo a admitir a validade das religiões estrangeiras. Na prática, muitos hindus consideram as religiões dos “bárbaros” (mlecchas) como vias devocionais (bhakti-mârgas).
2) No mundo atual, as condições são anormais, pois tudo é posto em questão. Para uma grande parte, são precisamente as divergências formais da verdade una que dão uma aparência de razão ao ceticismo: o homem moderno se debate entre antinomias que eram desconhecidas para o homem antigo.
(Frithjof Schuon, Perspectives spirituelles et faits humains, Maisonneuve & Larose, Paris, 1989, pp. 117-118.)