“Convém denunciar aqui outro preconceito do espírito moderno e evolucionista, a saber, a exigência de um máximo de ‘liberdade’ para o animal humano, ou, em outros termos, o ideal de uma ausência quase total de coerções para o homem considerado independentemente de seu conteúdo ou de sua qualidade e independentemente, também, de seu fim metafísico; ora, é só a liberdade proporcional a nossa natureza que abre as portas para a Liberdade eterna que trazemos no fundo de nós mesmos, e não a liberdade que larga a fraqueza do homem — sobretudo do homem coletivo — às forças da dissolução e ao suicídio espiritual. Na Índia, o Brâmane é ao mesmo tempo o homem mais independente e o mais submetido, o que significa que o homem socialmente mais livre deve ser interiormente o mais preso, fazendo-se abstração da libertação pelo Conhecimento. Duas coisas são certas: em primeiro, que numa sociedade completa nem todos podem ser livres da mesma maneira; em segundo, que uma sociedade, como todo cosmo, não pode evitar as aproximações e os erros que delas decorrem, ou seja, que haverá sempre exceções positivas e negativas, milagres e abusos. Não é senão no plano espiritual que encontramos as normas puras e, com elas, a justiça perfeita; quando a espiritualidade é obscurecida, é vão querer estabelecer uma justiça ideal, esta não podendo se implantar entre homens que são eles mesmos desprovidos de justiça; e é ainda muito mais vão querer estabelecê-la à custa dos princípios, que, ainda que na prática mal aplicados, são no entanto a única aplicação concretamente possível dela num meio humano dado (*). Com toda legitimidade, pode-se adaptar um princípio tradicional a circunstâncias novas, na medida em que estas são inevitáveis, mas não se pode rejeitá-lo em sua própria substância.”
(*) Os abusos da Revolução Francesa — para citar só um exemplo — não eram, por certo, menores que os da monarquia decadente, muito ao contrário; teria sido preciso, em vez de inverter os princípios monárquicos e teocráticos, remetê-los a seu pleno sentido, que era religioso; foi isso que a nobreza negligenciou fazer desde o Renascimento. Para manter o povo na fé, ou para manter um equilíbrio popular baseado nela, é preciso provar que nós mesmos a possuímos; a injustiça em relação ao povo — e a injustiça consecutiva do povo em relação aos princípios e a seus representantes — provém sempre de uma injustiça prévia em relação a Deus.
Frithjof Schuon, Images de l’Esprit — Shintô, Bouddhisme, Yoga, Le Courrier du Livre, Paris, 1982, pp. 108 e 109.