
Dizer que o homem é a medida de todas as coisas só tem sentido se se parte da ideia de que Deus é a medida do homem, ou de que o Absoluto é a medida do relativo, ou, ainda, de que o Intelecto universal é a medida da existência individual; só é plenamente humano o que é determinado pelo divino e, por consequência, centrado nele. A partir do momento em que o homem se faz medida sem querer ser, por sua vez, medido, ou que ele define sem querer ser definido por aquilo que o supera e lhe dá todo o seu sentido, os pontos de referência humanos se dissipam; cortai o divino e o humano desaba.
Em nossos dias, é a máquina que tende a tornar-se a medida do homem, e ela se torna por isso mesmo algo como a medida de Deus, de uma maneira diabolicamente ilusória, está claro: para os espíritos mais “avançados”, são, de fato, a máquina, a técnica, a ciência experimental que doravante ditam ao homem sua natureza, e são elas que criam a verdade — admite-se isso sem vergonha — ou antes aquilo que lhe usurpa o lugar na consciência. É difícil para o homem cair mais baixo ainda, realizar uma perversão mental maior, um abandono de si mais completo, uma traição mais perfeita de sua personalidade inteligente e livre: em nome da “ciência” e do “gênio humano”, o homem consente em se tornar a criação do que ele criou e a esquecer o que ele é, ao ponto de esperar que a resposta para isso venha da máquina e das forças cegas da natureza; ele esperou não ser mais nada para pretender criar-se a si mesmo. Arrastado por uma torrente, ele glorifica a incapacidade de resistir a ela.
E como a matéria e a máquina são quantitativas, o homem torna-se quantitativo: o humano é, doravante, o social. Esquece-se que o homem, em se isolando, pode cessar de ser social, enquanto que a sociedade, faça o que ela fizer — e ela é aliás incapaz de agir por si mesma —, não pode nunca deixar de ser humana.
Frithjof Schuon, Les Stations de la Sagesse, Éditions Maisonneuve & Larose, Paris, 1992, pp. 58-58.