O Nome divino implica uma Presença divina

Titus Burckhardt e Frithjof Schuon.

O rito é o ato cuja própria forma resulta de uma Revelação divina. A perpetuação do rito é, portanto, ela própria um modo da Revelação, e esta está presente no rito sob seu duplo aspecto intelectual e ontológico, pois realizar um rito é não somente retraçar um símbolo, mas também participar num certo modo de ser, ao menos virtualmente, esse modo tendo uma extensão extra-humana e universal. A significação do rito coincide com a essência ontológica de sua forma.

O homem de espírito moderno está geralmente inclinado a não ver no rito senão o adjuvante de uma atitude ética, a única que lhe parece poder dar uma eficácia ao rito, se é que ele reconhece para este uma eficácia qualquer. O que ele não vê é a natureza implicitamente universal da forma qualitativa do rito; por certo, um rito só dá frutos se ele é realizado com uma intenção (niyah) conforme ao seu sentido, pois, segundo uma palavra do Profeta, “as ações só valem por suas intenções” [1]; mas isso não significa, evidentemente, que a intenção seja independente da forma da ação. É precisamente porque a atitude interior desposa a qualidade formal do rito, qualidade que manifesta uma realidade ao mesmo tempo ontológica e intelectual, que o ato se libera da esfera psíquica individual. (…)

O Nome divino, revelado por Deus mesmo, implica uma Presença divina que se torna operante na medida em que o Nome toma posse da mente daquele que o invoca.[2] O homem não pode se concentrar diretamente no Infinito, mas, concentrando-se no símbolo do Infinito, ele atinge o próprio infinito: quando o sujeito individual se identificou com o Nome, ao ponto em que toda projeção mental tenha sido absorvida pela forma do Nome, a Essência divina deste se manifesta espontaneamente, pois esta forma sagrada não tende para nenhum coisa fora de si mesma; ela só tem relação positiva com sua Essência, e seus limites se dissolvem finalmente n’Esta. É assim que a união com o Nome divino se torna a União (al-waçl) com o próprio Deus. (…)

A invocação se pratica de preferência quando de um retiro (khalwâ), mas ela pode também se combinar com todo o tipo de atividade exterior. Ela supõe sempre a autorização (idhn) de um mestre espiritual; sem essa autorização, o dervixe não se beneficiaria da ajuda espiritual veiculada pelo encadeamento (silsilah) iniciático; além disso, sua iniciativa puramente individual correria o risco de estar em contradição flagrante com o caráter essencialmente não-individual do símbolo, de onde o perigo de reações psíquicas incalculáveis. [2]

[1] Os ritos de consagração são exceção, porque seu alcance é puramente objetivo; basta que o homem tenha qualidade para realizá-los e que ele observe as regras prescritas e indispensáveis.
[2] “Quando o homem se tornou familiar com o dhikr — diz Al-Ghazzâli —, ele se separa [interiormente] de todas as coisas. Ora, na morte ele é separado de tudo o que não é Deus… O que resta é somente a invocação.”

Titus Burckhardt, Introduction aux doctrines ésotériques de l’Islam, Dervy-Livre, 1985, pp. 137-138. [“Introdução às doutrinas esotéricas do Islã”]