“Existo, logo rezo”

O Papa Pio XII.

O próprio fato de nossa existência é uma prece e nos obriga à prece, de modo que poderíamos dizer: “Existo, logo rezo”: Sum ergo oro. A existência é coisa ambígua, e daí resulta que ela nos obriga à oração de duas maneiras: em primeiro lugar, por sua qualidade de expressão divina, de mistério coagulado e segmentado, e, em segundo lugar, por seu aspecto inverso de encadeamento e de perdição, de forma que devemos “pensar em Deus” não somente porque, sendo homens, nós não temos como não nos darmos conta do fundo divino da existência — na medida em que somos fiéis a nossa natureza —, mas também porque estamos obrigados, ao mesmo tempo, a constatar que somos fundamentalmente mais do que a existência e que vivemos como exilados numa casa em chamas.

Por um lado, a existência é uma onda de alegria criadora, toda criatura louva Deus; existir é louvar Deus, quer sejamos cascatas, árvores, pássaros ou homens; mas, por outro lado, é não ser Deus, é portanto, fatalmente, opor-se a ele sob um certo aspecto; essa existência nos aperta como a túnica de Nesso. Aquele que ignora que a casa está em chamas não tem nenhum motivo para pedir socorro; e, da mesma forma, o homem que não sabe que está se afogando não agarrará a corda salvadora; mas saber que estamos perecendo é ou desesperar-se, ou rezar. Saber realmente que não somos nada, porque o mundo inteiro não é nada, é lembrar-se de “O que é” e libertar-se por meio dessa lembrança.

Schuon, Comprendre l’islam, Éditions du Seuil, 1976, pp. 151-152.
[Para Compreender o Islã, Nova Era, 2006, pp. 196-198]